Bombeiras refletem sobre presença feminina nos quartéis

«Às mulheres, é-lhes exigido um percurso brilhante; aos homens, apenas o seu género», afirmou a Comandante dos Bombeiros Voluntários da Vidigueira, uma das intervenientes nas II Jornadas da Mulher Bombeira, promovidas pelos Bombeiros Voluntários de Pinhal Novo no passado Domingo, 13 de maio, no âmbito do programa que assinala o Dia Municipal do Bombeiro no concelho de Palmela. Outras e outros oradores convidados, entre os quais a Presidente da Câmara Municipal, sublinharam as diferenças e dificuldades sentidas pelas mulheres nos seus percursos ascendentes em sectores tradicionalmente masculinos. Como o dos Bombeiros.

Quando Judite Joaquim – pinhalnovense, bombeira de 1ª classe dos Voluntários Cruz Verde de Vila Real e socorrista do INEM no Porto – iniciou a sua intervenção, explicou que não estava ali para apresentar qualquer trabalho científico, mas apenas para falar da sua história de vida nos Bombeiros; em que a sua condição de mulher e mãe não impediu a profissional de conquistar o respeito dos seus pares e afirmar-se na sua área de eleição, o socorrismo.

E, a seguir, começou logo a pôr “o dedo na ferida”: «Quando entrei para os Bombeiros, em 1995, fui a primeira mulher numa corporação com 112 anos de existência. E tive de mostrar que fui para os Bombeiros para fazer algo pelos outros, e não para arranjar homem…», afirmou Judite, explicando: «Foi difícil provar que era digna de respeito. E tive de provar que merecíamos ter as cerca de 40 mulheres que a minha corporação tem atualmente, no corpo ativo e de aspirantes».

A tónica geral das intervenções produzidas ao longo das Jornadas foi a de que, em regra, às mulheres se exige mais do que aos homens para que consigam afirmar-se em funções de reconhecimento público. Por um lado, como notou a Presidente da Câmara Municipal de Palmela, porque «as mulheres continuam a acumular o trabalho com as mesmas funções familiares de sempre, seja no apoio às crianças ou aos idosos». Por outro lado, como sublinhou a Comandante dos Bombeiros Voluntários da Vidigueira, porque «as instituições reproduzem as diferenças de género e os preconceitos sociais» e os Bombeiros não são exceção.

«Qual é o verdadeiro estímulo das mulheres bombeiras?», perguntou-se a Presidente da Câmara Municipal de Palmela

Neste sentido, e referindo-se especificamente à sua área – a Política –, a autarca de Palmela reconheceu que «a forma como a Política é realizada é fruto da forma de estar dos homens na sociedade e na organização de toda a atividade produtiva». Ana Teresa Vicente exemplificou com um caso concreto: «É universalmente aceite que um homem tenha de sair mais cedo de uma reunião para ir buscar o carro à revisão, mas não que uma mulher diga que tem de sair mais cedo para ir buscar o filho à escola».

A Presidente considerou, assim, que «não faltarão razões práticas e objetivas para as mulheres passarem ao lado da Política», ao contrário do que afirmou estar a presenciar no sector dos Bombeiros. Ana Teresa Vicente regozijou-se por ver tantas mulheres nas fileiras mais jovens das corporações e perguntou-se: «Valia a pena pensar numa explicação para isto… Porque é que os jovens se sentem motivados para esta causa? Qual é o verdadeiro estímulo das mulheres bombeiras?» A autarca arriscou, enfim, uma resposta e um elogio: «Penso que o vosso estímulo é poder servir e ajudar o próximo. E quero dizer-vos que a vossa escolha é uma opção de grande valor!»

A resposta mais aprofundada à questão da Presidente da Câmara viria a ser dada por Nuno Domingues, sociólogo e bombeiro de 2ª classe do CB de Pinhal Novo, cuja intervenção – não prevista no programa inicial das Jornadas – se centrou nos resultados de um inquérito sobre o perfil das mulheres bombeiras, aplicado nas corporações do distrito de Setúbal. Relativamente ao que traz as mulheres aos corpos de bombeiros, o estudo apurou a prevalência de três motivações: em 1º lugar, o exercício da cidadania e uma forma de ajudar o próximo; em 2º lugar, os laços familiares e de amizade (isto é, o facto de se ter alguém conhecido nas corporações é apontado como motivação para integrar o grupo); e, em 3º lugar, o gosto pela atividade e a importância dos sonhos de criança.

Aqui, o sociólogo sublinhou que os bombeiros ainda são representados como «pessoas de grande coragem» e que continua a estar-lhes associada a ideia de herói: «Ainda não temos a heroína… está p’ra chegar», comentou Nuno Domingues. Um sinal nesse sentido poderá ser o facto de o prémio de “Bombeiro de Mérito” ser este ano, pela primeira vez, atribuído a uma mulher (Fátima Antunes, 34 anos, dos Bombeiros Voluntários da Ericeira), o que tem sido amplamente destacado pela Comunicação Social nacional (todavia, a distinção foi também atribuída ex aequo ao bombeiro António Serrano, dos Voluntários de Soure).

Segundo o estudo apresentado pelo bombeiro, a média de mulheres nos corpos activos do distrito de Setúbal é de 17%. Mas, como acrescentou, há muitas mulheres que participam nas corporações integradas noutros quadros, nomeadamente no de Especialistas e Auxiliares (incluindo as fanfarras), o que também «denuncia o seu encaminhamento para funções de ordem secundária». Nuno Domingues reconheceu que «ainda persiste a ideia de que determinadas funções são da competência dos homens» e que «o aumento de mulheres nos CBs é um facto relativamente recente», como se conclui da idade maioritariamente jovem das bombeiras do distrito.

«Ser Comandante no feminino não é fazer melhor; é fazer diferente», considerou a Comandante dos BV Vidigueira

Também a recém nomeada Comandante dos Bombeiros Voluntários da Vidigueira realçou que «a integração das mulheres nos corpos de bombeiros é tardia e pouco inclusiva», em consequência da tendência das instituições para reproduzirem as diferenças de género e os preconceitos socialmente aceites. Em algumas corporações «os horários noturnos continuam a ser interditos ao género feminino e por aqui se vê como há diferenças», exemplificou Noémia Ramos.

A este propósito, na intervenção precedente, Maria Manuela Rodrigues, 71 anos, há 21 no Quadro Auxiliar dos BVPN – que sublinhou a sua participação nas Jornadas também na qualidade de «mulher, mãe e sogra de bombeiros» – já tinha afirmado a sua disponibilidade para ajudar «as mais novas» a lutarem por uma camarata feminina no seu quartel, que ainda não existe.

«Os regulamentos dos CBs não fazem referências sexistas e discriminatórias, mas há os estereótipos sobre quem domina e quem é dominado», disse ainda a Comandante da Vidigueira, para quem «as regras podem ser quebradas e os lugares tradicionalmente masculinos podem passar à esfera feminina», mas com uma única diferença: «Às mulheres, é-lhes exigido um percurso brilhante; aos homens, apenas o seu género», afirmou a actual única Comandante do país.

De resto, Noémia Ramos garantiu não estar a sentir qualquer problema ao nível da aceitação junto do seu CB e recordou as palavras proferidas no seu recente discurso de tomada de posse: «O poder é algo efémero; tanto mais rápida é a sua morte quanto pior for a sua utilização». A alentejana mostrou-se, sempre, segura das suas capacidades – «Eu sou eu e não preciso de muitas apresentações…» – e confortável na sua farda de Comandante (há dois meses, a imprensa dava conta da dificuldade em encontrar farda para a sua baixa estatura.

«Ainda hoje eu fecho os olhos e consigo vê-las [as vítimas]», contou a bombeira Judite Joaquim, sobre um acidente que a marcou

No programa das Jornadas coube, em exclusivo, a Judite Joaquim o relato, na 1ª pessoa, das experiências de uma bombeira do Quadro Ativo. A engenheira de formação recordou como «uma paragem cardio-respiratória presenciada» e um acidente no IP4 com duas vítimas – «Ainda hoje eu fecho os olhos e consigo vê-las», confessou – a fizeram aperceber-se das limitações dos bombeiros no socorro pré-hospitalar e interessar-se pelo socorrismo, em especial. Já depois de ter concluído o curso de Tripulante de Ambulância de Socorro (TAS), numa turma com apenas duas mulheres em 16 formandos, Judite relatou as dificuldades em criar no seu corpo de bombeiros um grupo especializado na área da saúde, a começar pela «dificuldade em convencer o Comandante dessa necessidade».

O testemunho da bombeira de 1ª classe dos Voluntários Cruz Verde de Vila Real transmitiu, por outro lado, a convicção de que a uma mulher não há, à partida, funções vedadas. «Trabalhei na ambulância até aos 7 meses de gravidez», contou, confessando que só por vontade do seu Comandante terminou a gravidez ao serviço da central de comunicações. Depois, dada a dificuldade em exercer o direito às horas de amamentação previstas na lei, a sua bebé passou a ir com ela para o quartel e a ter um espaço próprio na camarata. Judite revelou como o quotidiano do quartel de bombeiros se adaptou à presença da sua filha – «A menina está a dormir…», pronunciavam os colegas, apelando ao silêncio – e, concluiu, «por isso é impossível não fazer com que a minha filha goste dos Bombeiros». E nem seria preciso vê-la fardada de bombeira a passear-se pelo palco do auditório da Associação, onde decorreram as Jornadas, para acreditar que o futuro das mulheres nas corporações está assegurado. «A menina é bombeira desde que nasceu; não há nenhum dia em que a Diana não vá aos Bombeiros», contou Judite Joaquim.

A bombeira confessou ainda o seu fascínio pelas brigadas heli-transportadas de combate a incêndios – «Quando chegava o Verão deixava de ser socorrista e tornava a ser bombeira» – e pelo apelo da sirene, enquanto estudante da Universidade de Trás-os-Montes: «A época de fogos florestais coincidia com a época de exames, o que sempre considerei uma grande injustiça», contou, lembrando as vezes em que largou os livros para acorrer ao toque da sirene.

Atualmente, Judite presta serviço no INEM, incluindo na moto de emergência, no Porto, e percorre os CBs da região fazendo formação de Tripulantes de Ambulância de Transporte (TAT). «Os CBs deviam reconhecer um bocadinho mais o trabalho que nós fazemos, porque, com algumas atitudes, acabam por fazer com que nos afastemos», desabafou.

E coube à sua irmã Helena, enfermeira e Equiparada a Adjunto de Comando dos BVPN – que acabou o dia a desempenhar o papel de “anfitriã” e “mestre de cerimónias” das Jornadas –, o encerramento dos trabalhos, com recurso a estas palavras de Madre Teresa de Calcutá, num incentivo à capacidade de resistência das mulheres: «Continua, quando todos esperam que desistas!»

«Para uma mulher ou para um homem, é uma honra estar nos Bombeiros», afirmou o presidente da LBP

Nestas II Jornadas da Mulher Bombeira – as primeiras a serem contabilizadas decorreram, no ano passado, em Santiago do Cacém, e as próximas poderão realizar-se em Óbidos (pelo menos, foram as representantes dos Bombeiros Voluntários de Óbidos [na foto acima] a aceitarem o repto lançado por Helena Joaquim para a organização da próxima edição) –, as corporações de Óbidos e Oliveira de Azeméis, cada uma com 5 participantes, foram as mais representadas na assistência. Da Azambuja vieram até ao Pinhal Novo quatro bombeiras. No encontro fizeram-se ainda representar os corpos de bombeiros de Loures, Moita, Sul e Sueste, Barreiro, Sesimbra, Santo André, Santiago do Cacém, Palmela e Pinhal Novo. Estiveram também presentes os presidentes das associações congéneres de Águas de Moura e Palmela, bem como os responsáveis do Serviço Municipal de Proteção Civil, Paulo Pacheco e Carlos Caçoete.

Convidado para a mesa de abertura – partilhada com o Comandante Distrital Alcino Marques e o presidente da Federação de Bombeiros do Distrito de Setúbal, Aníbal Reis Luís, para além do presidente da Mesa da Assembleia Geral da AHBVPN –, o presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses fez questão de saudar as «mulheres de combate» presentes, em especial as presidentes da Câmara Municipal de Palmela e da Direção dos BVPN, assim como a Comandante dos Voluntários da Vidigueira. Segundo os dados que apresentou, referentes ao ano de 2006, o número total de mulheres nas corporações do país é de 4150. Nos corpos gerentes das associações, são 92 as dirigentes em funções efetivas, das quais 9 são presidentes de direção, entre as quais a de Pinhal Novo, como realçou Duarte Caldeira.

O presidente da LBP sublinhou que «as mulheres introduziram dinâmicas diferentes» nas corporações, mas que, no essencial, o que caracteriza a missão dos Bombeiros não depende do sexo: «Esta é uma missão de honra, dever, partilha e serviço. É, então, para uma mulher ou para um homem, uma honra estar nesta estrutura», afirmou Duarte Caldeira.

O programa das Jornadas contemplou ainda a integração das mulheres noutros sectores, como o da Medicina (tema abordado pela cirurgiã Cláudia Galrão) e o meio militar (interveio a soldado Dulcília Carona, da GNR), bem como uma retrospetiva sobre a evolução do Direito português no tratamento da mulher e na promoção da igualdade jurídica entre os sexos, a cargo de Mário Cunha, Magistrado do Ministério Público.

A encerrar as II Jornadas da Mulher Bombeira, as vozes femininas alentejanas tomaram conta do auditório da Associação, com o Grupo Coral Feminino “Estrelas do Alentejo”, que veio de Santa Vitória (Beja), localidade de onde é natural Aurora Serrão, presidente dos BVPN. Por razões de saúde, a presidente viu-se impedida de assistir às Jornadas e à atuação do coral da sua terra que, por isso, lhe foi especialmente dedicada – na foto abaixo, gentilmente enviada por Cátia Dias, dos Bombeiros Voluntários de Óbidos.

Fonte: Helena Rodrigues da Silva (rep); Fotografias gentilmente cedidas por Adelino Chapa/CMP

One Reply to “”

  1. Parabéns a todos os Bombeiros!
    Realmente acabaram os tempos em que as mulheres eram escravas dos Homens, fechadas em casa, enquanto precisavam de mais Bombeiros. Afinal há mulheres que tem mais jeito que homens.
    Bem pessoal, continuem a terem um bom trabalho!
    Beijinhos e viva as mulheres 😉

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