Francisco Joaquim Batista

Em primeiro lugar tenho que afirmar que se não existisse em Pinhal Novo, a Sociedade Filarmónica União Agrícola Pinhalnovense, não se consumava a Fundação dos Voluntários, que só se justificou na altura por nesta coletividade existir uma casa de espetáculos. Como Secretário da Direção da referida coletividade no ano de 1950, encontrei nos livros de contas, a despesa de 4.000$00 por ano para pagamento das deslocações dos piquetes dos Bombeiros Voluntários de Palmela, para os espetáculos do cinema explorado por aquela coletividade. Este facto levou-me a pensar na criação de um Posto de Bombeiros em Pinhal Novo, logo apresentando este meu pensamento aos meus colegas da Direção, a fim de evitar a despesa com o transporte dos referidos Bombeiros de Palmela. Como não consegui o apoio dos restantes membros da Direção sonhei que devia banir a tal despesa e sozinho fui tratar do assunto.

Em Lisboa desloquei-me à Inspeção de Incêndios, e ao Ministério do Interior – Conselho Nacional de Serviço de Incêndios, aqui recebido pelo Secretário-Geral, Dr. Bastos no seu Gabinete, onde fui recebido com toda a gentileza.

É evidente que tive de apresentar o meu sonho – um Posto de Bombeiros Voluntários em Pinhal Novo, mas a resposta do Secretário-Geral foi a seguinte: só poderá ser criado um Posto de Bombeiros em Pinhal Novo se os futuros Bombeiros forem receber a instrução em Palmela. Mas sr. Dr. Bastos é inteiramente impossível a admissão de indivíduos para Bombeiros que se sujeitem à instrução na sede do concelho, repliquei eu.

Mas o Secretário-Geral reparou na grande vontade que eu tinha em vencer a questão e interessou-se pelo caso. Ora diga-me… eu não conheço Pinhal Novo, pois, quando vou para o sul do país vou de automóvel, mas diga-me, quantos habitantes tem Pinhal Novo? A minha resposta não se fez esperar; é Pinhal Novo uma freguesia criada quando a cidade de Setúbal passou a sede do distrito e pertence ao concelho de Palmela com mais de 5500 habitantes, sendo ao mesmo tempo um grande centro de comunicações de Caminho de Ferro e Rodoviário. O Secretário-Geral repara novamente no interesse que eu tinha em resolver a questão e responde-me. Com essa população pode-se a título excecional criar uma secção de Bombeiros Voluntários em Pinhal Novo, que por lei só pertence às sedes de concelho, mas se o senhor com o seu dinamismo conseguir montar a secção, o Conselho Nacional de Serviço de Incêndios, oferece-lhe 50 contos para o ajudar a desempenhar-se dessa missão. Depois desta oferta que muito agradeci, respondi ao Secretáno-Geral que estava perante um problema e portanto era necessário estudá-lo ponderadamente. Despedindo-me do sr. dr. Bastos regresso a Pinhal Novo, conto se deve calcular cheio de otimismo. Na impossibilidade de poder enfrentar sozinho o problema da criação dos Bombeiros, falei com o meu amigo Álvaro da Costa Tavares a quem dei conhecimento do que se estava a passar e pedindo-lhe apoio. Este colocou-se logo ao meu dispor para acompanhar-me nesta aventura c convidámos também o seu primo José da Costa Xavier para se nos juntar. As reuniões realizaram-se na minha residência ficando a Comissão Fundadora constituída pelo seguinte modo: presidente, Álvaro da Costa Tavares, tesoureiro, José da Costa Xavier c secretário, Francisco Joaquim Batista.

Depois da reunião que constituiu a Comissão Fundadora, entrou-se logo a pôr em prática medidas próprias de organização de uma Associação Humanitária de Bombeiros Voluntários, acordando-se que a sede provisória seria na minha residência, começando também os preparativos para a organização de um piquete para substituir os Bombeiros de Palmela, consultar alguém que esteja em condições de poder tomar conta do comando, fazer um apelo à população para angariar sócios e oficiar às pessoas de mais representação de todo o concelho.

Deram-se os primeiros passos para se encontrar um comandante para organizar o Corpo Ativo o que não foi possível conseguir. Estava portanto à vista a primeira grande dificuldade. Na primeira visita ao sr. Inspetor de Incêndios expliquei-lhe esta dificuldade e o sr. Inspetor respondeu-me; se o senhor é o fundador terá que ser também o comandante e para isso vou-lhe fornecer a Legislação que regula o Serviço de Incêndios e peço-lhe portanto que seja indicado o sen nome no oficio assinado pelo Presidente da Comissão. Com a autorização do sr. Inspetor de Incêndios fiquei com uma dupla responsabilidade, a de Fundador da Associação e Comandante do Corpo de Bombeiros. Depois da minha nomeação, era da minha competência propor o ajudante do comando, e para esta cargo escolhi o sr. José da Costa Xavier. Como comandante da jovem corporação foram imensos os assuntos a tratar – nomear o Ajudante do Comando, organizar um Piquete de Bombeiros com urgência para substituir os Piquetes dos Bombeiros de Palmela, afim de aliviar os encargos da Sociedade Filarmónica União Agrícola Pinhalnovense, motivo este que originou a criação dos Bombeiros Voluntários de Pinhal Novo.

Para pôr em prática com a máxima brevidade a organização do referido Piquete recorri às Corporações de Bombeiros do Montijo e da Moita que prontamente cederam 3 machados e 3 Capacetes.

Quando pela primeira vez os Bombeiros de Pinhal Novo apareceram no espetáculo do Cinema os espectadores dispensaram-lhes uma enorme ovação manifestando assim o sen regosijo. Foram enviados ao Ministério do Interior os Estatutos da Associação, os sócios já eram mais de duzentos e os donativos começaram a chegar. O grande benemérito Samuel dos Santos Jorge, enviou por vale telegráfico a quantia de 5.000$00, do sr. Costa Lima da Quinta do Anjo 1.000$00 do presidente da Câmara 500$00, do sr. João da Costa Xavier 400$00 do sr. José da Costa 250$00 e várias outras importâncias em dinheiro foram recebidas para fazer face às despesas da organização.

Com os elementos fornecidos pela Inspeção de Incêndios começa a instruir-se o Corpo de Bombeiros com a ajuda de um instrutor. A Corporação de Bombeiros de Sul e Sueste respondendo a um apelo que lhe dirigi, ofereceu um jogo de escadas de molas, duas escadas de ganchos e por fim uma viatura antiga que mais tarde foi transformada em Pronto Socorro Ligeiro. O Diretor dos Caminhos de Ferro Portugueses a quem escrevi enviou 12 machados fabricados pelas oficinas da C.P. no Barreiro. Os 50.000$00 enviados pelo Conselho Nacional de Serviço de Incêndios, destinaram-se à compra de uma Bomba Italiana de marca “ASPI”, dois chupadores e outros utensílios úteis à ação dos nossos Bombeiros. Em julho de 1952, a Associação comprou a primeira Ambulância que custou 56.000$00 a serem pagos a prestações.

No dia 1 de novembro de 1952 conseguimos após muito trabalho a inauguração do 2º Quartel dos Bombeiros Voluntários de Pinhal Novo, com a presença do sr. Governador Civil do Distrito de Setúbal autoridade que Pinhal Novo, recebeu pela primeira vez com a categoria de Freguesia do Concelho de Palmela.

A esta cerimónia estiveram presentes os snrs. Presidente da Câmara e mais autoridades do Concelho, assim como as Corporações das seguintes localidades – Palmela, Montijo, Moita, Barreiro, Setúbal e Vendas Novas.

Nestas cerimónias o Corpo Ativo, apesar da pouca experiência, apresentou demonstrações que foram muito apreciadas pela assistência.

Em novembro de 1953 fui forçado a abandonar o Comando da Corporação depois de tanto trabalho que dei à sua organização, acusado por alguém à Policia de Defesa do Estado, por permitir que os Bombeiros lessem papeis clandestinos contra o Governo. Acusação muito infeliz porque mais de 60% dos Bombeiros não sabiam ler nem escrever. Além dessa acusação o Ajudante de Comando que pouco ou nada fez para a organização da Associação escreveu ao sr. Inspetor de Incêndios classificando o Comandante de incompetente. Em maio de 1962 os Dirigentes dos Bombeiros de Pinhal Novo resolveram prestar-me uma Homenagem de Gratidão e Justiça por ter sido o Fundador e o Primeiro Comandante dos Bombeiros Voluntários desta localidade. Estiveram presentes a esta Homenagem muita população e muitas Autoridades do Concelho de Palmela, realizando-se uma sessão solene e um almoço de confraternização.

IGNIS, Nº 12, 1900