Numa altura em que se anuncia o fecho de maternidades e se discute o transporte de parturientes em ambulância, temos tido a felicidade de as mães de Pinhal Novo se poderem sentir em boas mãos. A última foi uma guineense, às mãos do bombeiro Rui Jorge Silva.
Quando, pelas 05h55m do passado dia 16 de fevereiro, a equipa do INEM dos Bombeiros Voluntários de Pinhal Novo chegou à Rua Mouzinho de Albuquerque, foi encontrar a grávida pronta para ser transportada ao hospital, mas já em trabalho de parto. «A senhora entrou em trabalho de parto antes de entrar na ambulância; quando a deitámos, a criança começou logo a nascer», recorda Rui Jorge Silva, o bombeiro e tripulante de ambulância de socorro (TAS) que realizou o parto.
Explicado por ele, com humildade, parece simples assistir um nascimento à porta de casa, dentro de uma ambulância: «Fizemos o parto, cortámos o cordão umbilical, limpámos o bebé [um menino], metemos ao colo da mãe e fizemos o transporte para a unidade hospitalar [Hospital de São Bernardo, em Setúbal]».
Contudo, apesar destes serviços – «ajudar as parturientes nestes momentos lindos», nas palavras dos bombeiros – serem normais, o tripulante Rui Jorge, já experiente nestas situações (este terá sido o seu 11º ou 12º parto, já perdeu um bocado a conta), deparou-se com mais uma dificuldade: é que o seu companheiro de equipa, o bombeiro Sandro Patraquim, nunca tinha presenciado um momento como aquele.
Para ele, foi uma novidade, e, mais tarde, lá conseguiu dizer que «o momento que mais me impressionou foi ter auxiliado o nascimento». Mas, na altura, terá ficado sem palavras e quase sem reação. «O motorista era estreante e ficou todo babado, ficou sem palavras, sem reação na altura para dizer alguma coisa», conta Rui Jorge, sem saber muito bem como explicar a reação do colega. «Eu também não tenho palavras para descrever como ele estava na altura», remata.
Passado o embate do momento, Sandro haveria de voltar ao Hospital de Setúbal e reencontrar a mãe guineense e o seu filho, já em repouso no quarto. E registou, com grande eficácia fotográfica, um quadro de serenidade familiar que é especialmente gratificante para os bombeiros; para agora, e mais tarde, recordar.
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Prelúdio
Pela estrada desce a noite
Mãe-Negra, desce com ela…
Nem buganvílias vermelhas,
nem vestidinhos de folhos,
nem brincadeiras de guizos,
nas suas mãos apertadas.
Só duas lágrimas grossas,
em duas faces cansadas.
Mãe-Negra tem voz de vento,
voz de silêncio batendo
nas folhas do cajueiro…
Tem voz de noite, descendo,
de mansinho, pela estrada…
Que é feito desses meninos
que gostava de embalar?…
Que é feito desses meninos
que ela ajudou a criar?…
Quem ouve agora as histórias
que costumava contar?…
Mãe-Negra não sabe nada…
Mas ai de quem sabe tudo,
como eu sei tudo
Mãe-Negra!…
Os teus meninos cresceram,
e esqueceram as histórias
que costumavas contar…
Muitos partiram p’ra longe,
quem sabe se hão-de voltar!
Só tu ficaste esperando,
mãos cruzadas no regaço,
bem quieta bem calada.
É a tua a voz deste vento,
desta saudade descendo,
de mansinho pela estrada.
(Alda Lara, poetisa angolana, 1951, popularizado na voz de Paulo de Carvalho)
Fonte: Helena Rodrigues, c/ Vasco Marto e Rui Jorge Silva (Texto); Sandro Patraquim (Foto)


